Quanto os gastos em saúde pesam no orçamento das famílias brasileiras?

Resenha do artigo:

Torres TF, Santos PHA, Russo LX, Silva EN. Monitoring financial healthcare protection in Brazil: evolution, inequalities, and associated factors. Public Health. 2024 Sep 6;236:175-183. doi: 10.1016/j.puhe.2024.08.001. Epub ahead of print. PMID: 39244979.

O Brasil tem acompanhado o padrão global de aumento do gasto em saúde ao longo das últimas décadas, atingindo 9,6% do PIB em 2019, percentual muito próximo ao mundial (9,8%). No entanto, esse aumento tem sido majoritariamente conduzido pelo gasto privado em saúde, com a participação do gasto público em relação ao gasto total em saúde caindo de 43,5% em 2015 para 40,8% em 2019. Nesse contexto, crescem preocupações com a proteção financeira em saúde no Brasil, particularmente quando esse parâmetro integrou os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) em 2015, referente à meta 3.8. O pagamento direto do bolso das famílias está associado à iniquidade no acesso à saúde e ao maior risco de incorrer em gastos catastróficos, causando empobrecimento das famílias, bem como o condicionamento da utilização dos serviços de saúde à capacidade de pagamento dos indivíduos.

O objetivo do estudo foi calcular o percentual de famílias que incorreram em gastos catastróficos em saúde no Brasil em três pontos no tempo (2003, 2009 e 2018), considerando diferentes formas de medir essa despesa no orçamento das famílias. Também foi investigado se famílias com menos dinheiro tendem a comprometer mais do seu orçamento com gastos de saúde. Além disso, identificamos quais fatores podem aumentar o risco de as famílias gastarem grandes parcelas do orçamento em saúde.

Utilizamos os dados das três últimas Pesquisa sobre Orçamentos Familiares (POF), conduzidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as quais foram realizadas nos períodos de 2003, 2009 e 2018. O foco do estudo foi os domicílios (famílias). A prevalência de gasto catastrófico foi mensurada pelo percentual do orçamento e capacidade de pagar (consumo menos alimentação e moradia), contemplando os limiares de 10, 25 e 40%. Verificou-se se características dos domicílios, das famílias e dos chefes de família influenciam a chance de incorrer em gastos catastróficos em saúde. Os domicílios foram estratificados por decis da renda, consumo e escore de riqueza.

Os resultados do estudo mostram que houve um aumento da prevalência dos gastos catastróficos em saúde no Brasil entre 2003 e 2009, seguida de uma leve redução em 2018 em relação a 2009, independentemente da forma de mensurar (renda, consumo ou capacidade de pagamento) e do limiar utilizado (10, 25 ou 40%). Cabe ressaltar que mesmo com a redução verificada em 2018, a prevalência de gastos catastróficos ainda é maior do que aquela verificada em 2003 para a média do país. Verificamos que as famílias mais pobres foram as mais afetadas pelos gastos catastróficos no Brasil. Os principais fatores que tendem a aumentar a prevalência dos gastos catastróficos foram a presença de idosos, idade e sexo feminino do chefe de família e domicílio localizado na área rural, entre outros.

Ainda precisamos avançar na garantia do direito à saúde no Brasil, dado que cada vez mais as famílias têm utilizado uma maior parcela do seu orçamento para cobrir despesas com medicamentos, consultas, exames. Esse problema é mais grave para as famílias mais pobres, dado que elas são mais afetadas pelos gastos catastróficos em saúde. Quanto maior a despesa com saúde em relação ao orçamento familiar, menos recursos estarão disponíveis para outras necessidades, como alimentação, educação, moradia, cultura e lazer. Esse padrão contribui para um ciclo de empobrecimento das famílias, particularmente aquelas vulnerabilizadas em termos socioeconômicos. Para interromper esse ciclo, precisamos fortalecer o SUS como política pública, garantindo acesso aos cuidados à saúde de qualidade e em tempo oportuno para a população.

Elaborada por
Everton Nunes da Silva
Data da Resenha
09/09/2024
Eixo Temático
Serviços de Saúde e Políticas Públicas
Eixo Metodológico
Análises Econômicas
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