Resenha do artigo:
Rosen VM, Taylor DC, Parekh H, Pandya A, Thompson D, Kuznik A, Waters DD, Drummond M, Weinstein MC. Cost effectiveness of intensive lipid-lowering treatment for patients with congestive heart failure and coronary heart disease in the US. Pharmacoeconomics. 2010;28(1):47-60. doi: 10.2165/11531440-000000000-00000. PMID: 20014876.
A insuficiência cardíaca de etiologia isquêmica é um problema de saúde de significativo impacto no Brasil e no mundo. Estima-se que sua prevalência seja de 1,5 a 3,3% da população, e esses valores devem aumentar considerando a atual tendência de envelhecimento da população.
Nesse contexto, fica evidente a relevância do estudo desenvolvido por Rosen e colaboradores e publicado no periódico Pharmacoeconomics em 2010. O artigo apresenta uma análise de custo-efetividade do emprego de Atorvastatina em dose alta (80 mg), comparativamente à dose baixa (10 mg), na prevenção secundária de eventos cardiovasculares maiores e de morte em pacientes portadores de cardiopatia isquêmica. Para tanto, foi elaborado um modelo de Markov com horizonte temporal de toda a vida.
Considerando que a variabilidade nos resultados de análises econômicas pode advir de variações nas fontes de dados utilizadas, os autores optaram por construir 2 cenários (de fato, duas análises de custo-utilidade). A primeira delas, alimentada com dados da literatura; a segunda, com dados provenientes do ensaio clínico TNT (Treating to New Targets – Circulation. 2007;115:576– 583), que comparou as doses de 10 e 80 mg de Atorvastatina na prevenção de eventos cardiovasculares e de morte em pacientes portadores de insuficiência cardíaca de etiologia isquêmica.
O estudo TNT demonstrou uma redução de 22% na incidência de eventos macrovasculares (um desfecho composto por infarto do miocárdio fatal e não-fatal, acidente vascular encefálico fatal e não-fatal e parada cardiorrespiratória reanimada) nos pacientes tratados com Atorvastatina 80 mg comparativamente aos pacientes tratados com dose baixa (10 mg), após 5 anos de seguimento. Também foi relatada uma redução significativa (26%) nas internações por insuficiência cardíaca nos pacientes tratados com Atorvastatina 80 mg. Não foi observada, no entanto, diferença estatisticamente significante na mortalidade entre os grupos.
A justificativa para a realização de duas análises foi a observação de uma diferença evidente no perfil de risco e na mortalidade observados entre os pacientes do estudo TNT (que excluiu cardiopatia isquêmica grave, tendo observado uma mortalidade de 15%) comparativamente à mortalidade geral observada em estudos que incluíram pacientes mais graves (mortalidade de ~ 30%).
A análise principal (caso-base), alimentada com dados da literatura, concluiu que atorvastatina 80 mg, a despeito do maior custo da medicação, poderia ser considerada uma estratégia terapêutica custo-efetiva, com uma razão de custo-efetividade incremental de U$ 9600 para cada ano de vida ganho ou então de U$ 13600 para cada ano de vida ajustado para qualidade (QALY) ganho. Em uma análise de sensibilidade probabilística e considerando um limiar de intenção de financiar U$ 100.000 por QALY, Atorvastatina 80 mg seguiu sendo considerada custo-efetiva em 80% das simulações.
Por outro lado, na análise alternativa, alimentada com dados do ensaio clínico TNT, foi observado o resultado inverso: a estratégia que contemplava o uso de atorvastatina 10 mg foi considerada dominante em relação à estratégia de 80 mg. Esse resultado foi atribuído à ausência de diferença na mortalidade observada no estudo TNT, e, consequentemente, uma ausência de ganho de QALYs através do uso da estratégia de maior dose.
Além do estudo TNT, foram publicados outros relevantes ensaios clínicos que avaliaram o efeito de estatina na ICC de etiologia isquêmica. O estudo CORONA (N Engl J Med 2007;357:224861) randomizou 5011 indivíduos portadores de ICC isquêmica para tratamento com 10 mg de rosuvastatina ou placebo. Não foram encontradas diferenças significantes na incidência de eventos cardiovasculares ou morte, mas observou-se uma redução na frequência das hospitalizações entre os pacientes tratados com rosuvastatina. Já no estudo GISSI-HF (Lancet. 2008; 372(9645):1231–1239), rosuvastatina 10 mg não foi superior a placebo para prevenção de morte ou hospitalizações entre pacientes portadores de ICC de etiologia isquêmica ou não. Curiosamente, os autores da análise econômica em questão não utlizaram esses dois importantes estudos como fonts de dados para o modelo de análise de decisão.
O presente estudo de análise de decisão e de custo-efetividade serve como exemplo da variabilidade nos resultados e nas conclusões que podem ser obtidas de acordo com a fonte de dados utilizada.
O emprego dos dados provenientes de um único ensaio clínico tem a vantagem de propiciar uma análise de custo-efetividade com elevada validade interna para o subtipo de pacientes incluído no estudo, visto que a coleta de dados foi realizada sistematicamente e de forma mais precisa. Entretanto, os pacientes incluídos nos ensaios clínicos podem não representar toda a gama de indivíduos candidatos a um determinado tratamento, o que torna os resultados das análises de custo-efetividade associadas a ensaios clínicos pouco generalizáveis. Por essa razão, tais estudos devem ser avaliados com cautela por analistas e gestores quando usados na tomada de decisão para incorporação de novas tecnologias da saúde.
Uma solução para a melhora na obtenção de dados a partir de ensaios clínicos é a utilização de múltiplos ensaios clínicos, em alguns casos com sua medida de efeito sumarizada através de uma metanálise. Caso os autores assumissem a existência de efeito de classe entre as estatinas, o modelo de custo-efetividade poderia ter sido povoado com dados dos estudos CORONA e GISSI-HF, além daqueles do estudo TNT.
Por outro lado, a utilização das melhores estimativas epidemiológicas e observacionais disponíveis para as probabilidades e custos, obtidos a partir de uma revisão abrangente da literatura, tende a produzir estudos de custo-efetividade com resultados mais generalizáveis.
A fim de evitar que conclusões distorcidas sejam obtidas nos estudos de custo-efetividade, recomenda-se que o resultado da análise principal desse tipo de estudo não seja utilizado isoladamente na tomada de decisões em sistemas de saúde. A adequação das fontes de dados deve sempre ser verificada e a realização de análises de sensibilidade torna-se fundamental para se compreender até que ponto as conclusões oriundas da análise principal são válidas.
Por fim, destaca-se a dificuldade na extrapolação dos resultados de análises econômicas entre diferentes países. Não se pode considerar que o estudo apresentado seja diretamente aplicável ao contexto brasileiro. Os frágeis pressupostos assumidos, como as probabilidades de eventos e os custos, foram derivados de pesquisas norte-americanas. É preciso repetir a análise utilizando estimativas nacionais, a fim de obtermos conclusões válidas para o Brasil.
Elaborado Por |
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André Luis Ferreira Da Silva |
Data da Resenha |
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27/04/2011 |
Eixo Temático |
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Doenças Cardiovasculares e Fatores de Risco |
Eixo metodológico |
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Análises Econômicas |