Segundo a Dra. Maria Angélica Pires Ferreira, a LC foi elaborada de forma a aumentar o conhecimento dos profissionais sobre as intervenções baseadas em evidências e os recursos diagnósticos e terapêuticos disponíveis no SUS
Dados disponibilizados pelo INCA (Instituto Nacional de Câncer) apontam que o percentual de adultos fumantes no Brasil vem apresentando queda nas últimas décadas. Em 1989, 34,8% da população acima de 18 anos era fumante, de acordo com a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN). Em 2019, esse número já representava 12,6 % de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). No entanto, de acordo com Dra. Maria Angélica Pires Ferreira, médica pneumologista, doutora em Ciências Pneumológicas pela UFRGS, coordenadora do NATS/HCPA e pesquisadora do IATS, apesar dos progressos, ainda existem desafios no combate ao uso de diversos tipos de produtos de tabaco especialmente entre os jovens.
Na semana em que se comemora o Dia Nacional do Combate ao Fumo, instituído na data de 29 de agosto pela Lei nº 7.488/1.986, o IATS realiza uma entrevista com a Dra. Maria Angélica, que também tem atuado como especialista revisora da Linha de Cuidado do Tabagismo, parte de um amplo projeto com vistas a fortalecer as redes de atenção à saúde no Brasil desenvolvido pelo Ministério da Saúde em parceria com o IATS. O projeto tem como meta a elaboração de 23 Linhas de Cuidado até 2022, das quais três já foram disponibilizadas no portal do projeto.
IATS: Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o tabagismo é a principal causa de morte evitável no mundo. De que formas você acha que seria possível reverter esse dado?
Dra. Maria Angélica Pires Ferreira: O tabagismo, como outros vícios, é o resultado da interação de uma multiplicidade de fatores biológicos, sociais e culturais, entre outros. Sendo um problema tão complexo, e com um impacto tão evidente em termos de saúde pública, penso que é fundamental que existam políticas públicas de vigilância e controle. O foco deve estar na prevenção, o que significa agir prioritariamente entre os adolescentes e adultos jovens. É preciso usar como aliados a ciência e o conhecimento obtido a partir do estudo de experiências bem-sucedidas. Entre outras coisas, pode-se olhar para os países onde o tabagismo vem caindo e aprender com eles. De uma forma geral, os países que implementaram políticas de controle são os que tiveram mais sucesso. No Brasil, desde os anos 80, existe o Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT), que cuja gestão é articulada pelo Ministério da Saúde através do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Temos também a Lei Antifumo, que entrou em vigor em diversos estados em 2009, e em todo o país em 2011. Muitos progressos já foram obtidos, uma vez que as taxas têm sido decrescentes nas últimas décadas, mas temos ainda desafios a enfrentar, sendo o principal, a meu ver, o combate ao uso de diversos tipos de produtos de tabaco entre jovens. Atualmente se sabe que, em âmbito populacional, as medidas regulatórias são especialmente eficazes. Essas incluem aumentos de impostos e de preços, e restrições à comercialização e à propaganda. Há estudos mostrando que um aumento de 10% no preço ao consumidor repercute em reduções da ordem de 2,5%-5% no curto prazo e de até 10% no longo prazo. Medidas regulatórias podem ter efeito ainda maior entre os mais jovens. Por outro lado, a educação e o acesso à informação são também extremamente importantes. De fato, o tabagismo está associado a menor escolaridade. Além disso, o sistema de saúde deve estar preparado para identificar, avaliar e tratar o indivíduo tabagista, contando com profissionais de saúde atentos e familiarizados com as intervenções mais efetivas, tanto farmacológicas como não farmacológicas. Há estudos mostrando que o aconselhamento breve feito por poucos minutos por profissional de saúde é extremamente custo-efetivo.
IATS: Como o desenvolvimento da LC pode auxiliar os profissionais de saúde no atendimento de pacientes com complicações derivadas do tabagismo pelo Sistema Único de Saúde (SUS)?
Dra. Maria Angélica: Penso que a LC ajuda a instrumentalizar as equipes assistenciais para a abordagem clínica do tabagismo e das suas complicações, não apenas do ponto de vista clínico, mas também esclarecendo o profissional sobre rotinas assistenciais e fluxos de atendimento. A LC foi elaborada de forma a aumentar o conhecimento dos profissionais sobre as intervenções baseadas em evidências e os recursos diagnósticos e terapêuticos disponíveis no SUS. Também vai favorecer a abordagem multidisciplinar e facilitar o trânsito do paciente entre os diversos componentes do sistema de saúde.
IATS: Tendo em vista que o tabagismo tem papel de destaque no agravamento da pandemia de Covid-19, qual a importância do desenvolvimento e lançamento da LC nesse contexto?
Dra. Maria Angélica: Penso que esse momento é uma boa oportunidade para a implementação bem-sucedida da LC de tabagismo, porque os profissionais de saúde sabem da importância das medidas voltadas para a cessação, mas nem sempre têm o suporte técnico adequado ou contam com a estrutura para adotá-las. Por outro lado, a população está mais sensibilizada para medidas voltadas para a redução dos riscos não apenas decorrentes da COVID-19, como também para medidas de saúde respiratória em geral. Também está havendo maior conscientização sobre a importância da qualidade do ar e as pessoas estão se preocupando mais com a aquisição de hábitos saudáveis. Isso ajuda a melhorar a adesão às recomendações feitas pelos profissionais de saúde, colaborando para um ambiente favorável á implementação da LC.
A LC está em desenvolvimento e deverá ser lançada em breve no portal do Ministério da Saúde.