O artigo Prevenção de eventos tromboembólicos na atenção primária: dados alarmantes em uma cidade de médio porte foi embasado no Projeto Anticoagula Divinópolis. Esse foi um projeto conduzido em três fases: estabelecimento de uma linha de base, implantação do sistema de atenção e reavaliação dos indicadores após a implantação.
A primeira fase do Projeto Anticoagula consistiu em uma coorte retrospectiva-prospectiva com pacientes em anticoagulação oral de 27 unidades básicas de saúde do município de Divinópolis (MG), recrutados entre novembro/2018 a fevereiro/2020. Dentre tais pacientes, aqueles que encaixavam-se nos critérios de elegibilidade deste estudo (pacientes em uso de varfarina, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos) foram conduzidos aos consultórios das UBS para aplicação dos seguintes instrumentos validados: testes OAK (Oral Anticoagulant Knowledge), MAT adaptado (Medida de Adesão ao Tratamento) á anticoagulação oral e SALPHA-18 (Short Assessment of Health Literacy for Portuguese Speaking Adults). O teste OAK é composto de 20 perguntas acerca do tratamento anticoagulante em si. Já o MAT adaptado é um instrumento adaptado para avaliar adesão ao tratamento anticoagulante. Por fim, o SALPHA-18 consiste um teste relativo ao letramento em saúde do paciente.
No total, 162 pacientes foram incluídos no estudo. Em 13,6% dos pacientes, o motivo do tratamento de anticoagulação não foi registrado, e tanto o paciente quanto os profissionais de saúde responsáveis não sabiam informar. O MAT-adaptado indicou que 83,3% dos pacientes eram aderentes ao tratamento. O OAK apontou apenas 11,7% dos pacientes com nível adequado de conhecimento sobre terapia anticoagulante. Segundo o SAHLPA-18, 67,9% dos pacientes apresentam alfabetização inadequada em saúde. Por meio de revisões de prontuários, observou-se uma carência significativa de dados clínicos e registros de acompanhamento, incluindo consultas com ausência de informações relevantes, como registro de resultado de INR. Entre os pacientes com FA, os scores CHA2DS2-VASc e HAS-BLED não foram registrados nos prontuários de nenhum dos pacientes.
Acerca dos dados obtidos, levantou-se o questionamento sobre possíveis limitações do teste MAT, tendo em vista que não esperava-se uma adesão tão alta: o questionário autorreferido pode ter superestimado a adesão, pois uma única resposta positiva do paciente o coloca como aderente ao tratamento. Uma possível explicação para esses resultados é a “desejabilidade social”, que leva o paciente a fornecer respostas socialmente desejáveis, mesmo se não for verdade, para evitar uma resposta crítica do profissional de saúde. Portanto, estudos futuros podem utilizar pelo menos duas medidas de adesão, como contagem de comprimidos e questionário de adesão autorreferida, para garantir um resultado mais realista.
A falta de registro em prontuários dos escores CHA2DS2-VASc e HAS-BLED também foi alarmante. Este é definitivamente um ponto alvo de melhoria, podendo estar relacionado a fragilidades ligadas à organização do sistema de saúde. Tentamos levantar algumas hipóteses sobre a falta de acompanhamento adequado dos pacientes em uso de varfarina: alta rotatividade de profissionais e falta de treinamento básico em controle de anticoagulação; déficit de conhecimento e organização do processo de trabalho; falta de protocolo local de anticoagulação oral no município e falta de oportunidades de educação continuada.
Dessa forma, este estudo demonstrou notavelmente baixa alfabetização em saúde e conhecimento insuficiente sobre a terapia com varfarina em uma população vulnerável assistida pela atenção primária. A falta de informações essenciais nos prontuários relacionados à indicação de anticoagulação, tempo necessário, risco tromboembólico e hemorrágico é alarmante. Esses dados têm grande importância para o processo de tomada de decisão e são essenciais para o desenvolvimento de estratégias para melhoria do manejo de pacientes em uso de anticoagulantes. Como a varfarina apresenta interações medicamentosas e alimentares complexas, seu uso requer atenção especial tanto dos pacientes quanto do sistema de saúde.
Elaborada por |
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Milena Soriano Marcolino Laura Caetano de Sá Thais Lorena Souza Sales João Antonio Queiroz Oliveira Thais Marques Danyelle Romana Alves Rios Maria Auxiliadora Parreiras Martins Antonio Luiz P. Ribeiro |
Data da Resenha |
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09/02/2022 |
Eixo Temático |
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Doenças Cardiovasculares e Fatores de Risco |
Eixo Metodológico |
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Plataforma Metodológica de Apoio à Avaliação e Monitoramento de Tecnologias em Saúde |