Probabilidade de que uma mulher com câncer de mama detectado tenha sua “vida salva” pela mamografia

Resenha do artigo:

Welch HG, Frankel BA. Likelihood that a woman with screen-detected breast cancer has had her “life saved” by that screening. Arch Intern Med. 2011 Dec 12;171(22):2043-6. doi: 10.1001/archinternmed.2011.476. Epub 2011 Oct 24. PMID: 22025097.

Os autores decidem analisar a probabilidade de uma mulher com câncer de mama, detectado por mamografia periódica de rastreamento, ter de fato sido salva pelo rastreamento. Essa é a visão do público geral, segundo eles, sobre o rastreamento, que ele salva a vida da pessoa que tem a doença detectada por ele.

O argumento é que há outras possibilidades a essa percepção: 1) que a mulher tenha detectado um câncer precocemente, mas sem benefícios dessa precocidade, dado que seu câncer seria igualmente tratável caso tivesse sido diagnosticado após apresentar sintomas; 2) ou que tenha sido diagnosticada com um câncer que jamais lhe causaria sintomas ou a morte.

O método foi claro e simples, utilizando dados disponíveis nos EUA sobre a probabilidade de uma mulher ter um câncer de mama detectado por mamografia de rastreamento (que varia entre 52% e 64%, dependendo da idade) e a probabilidade de se evitar a morte por câncer de mama por causa do rastreamento (5% a 25%).

Os autores definem a redução absoluta de risco pela mamografia (ou benefício de mortalidade) como a diferença entre o risco estimado em 20 anos de mortalidade sem o rastreamento e o risco de morte em 20 anos observado atualmente. A probabilidade de uma mulher com câncer de mama detectado por mamografia ter tido sua vida salva pelo rastreamento é a razão entre o benefício de mortalidade e a probabilidade de ter um câncer detectado por rastreamento.

Os resultados são intrigantes. Para uma redução da mortalidade por causa de rastreamento de 5% a 25%, a probabilidade de uma mulher de 50 anos ter evitado sua morte por causa do rastreamento é de 3% a 17%, ou seja, uma probabilidade de 83% a 97% de que sua vida tenha sido “salva” por outro fator que não o rastreamento. Para todas as faixas etárias e reduções de mortalidade, a probabilidade é sempre menor do que 25%.

Os autores fazem várias considerações sobre estarem, na verdade, superestimando o benefício de mortalidade, inclusive citando dados europeus recentes de que a mamografia como rastreamento tem um impacto muito inferior aos 25% das estimativas usadas no modelo matemático. Dessa maneira, a probabilidade de salvar a vida com a mamografia de rastreamento é ainda menor.

A questão importante que é levantada é que não só o rastreamento tem impacto econômico considerável nos sistemas de saúde para gerar benefícios lamentavelmente pequenos, como traz o risco do excesso de diagnóstico, ou seja, de detectar um câncer que jamais causaria sintomas ou a morte. O excesso de diagnóstico, no entanto, é um problema difícil de quantificar. As estimativas da razão entre o malefício de “superdiagnosticar” sobre o benefício de mortalidade variam de 2:1 a 10:1.

Quanto mais entusiasmo com o rastreamento, gerado pelos relatos sensacionalistas de sobreviventes de câncer que tiveram a “vida salva” por mamografia de rastreamento, mais excesso de diagnóstico e seus malefícios. É o paradoxo de popularidade do rastreamento, quanto mais detecção, mais entusiasmo.Os autores consideram as informações dadas pelo artigo importantes para colocar as histórias de sobreviventes do câncer no contexto adequado.

Há no fim do artigo um “comentário convidado”, de Wilt TJ e Partin MR, com o título “Simple messages… sometimes”, algo como “Mensagens simples… às vezes”. O comentário é pertinente, alegando que é legítima a preocupação dos autores com o ciclo vicioso de demanda por rastreamento, excesso de diagnóstico, excesso de tratamento e aumento do contingente de sobreviventes do câncer advogando pelo rastreamento que “salvou suas vidas”, levando a mais rastreamento. Os autores desse comentário trazem dados adicionais sobre os riscos especialmente de excesso de diagnóstico. Os autores inclusive ressaltam outras situações nas quais os exames com fins de rastreamento têm benefícios duvidosos, como espirometria, medida do índice tornozelo-braquial, medida do espessamento médio-intimal, uso da tomografia com feixe de elétrons (ultrafast) para avaliar risco de doença coronariana, avaliar a gravidade da estenose coronariana e reduzir os limites da normalidade e ampliar as indicações de rastrear e tratar osteoporose. Nenhuma dessas abordagens demonstrou melhorar a qualidade ou aumentar a sobrevida dos indivíduos.

Mais exames, maior utilização de testes sensíveis e menores limiares de reconhecimento de normalidade tem resultado em milhões de pessoas recebendo o rótulo de portar uma doença ou anormalidade. Pela identificação precoce de doenças indolentes, as pessoas passam a viver mais tempo com a idéia de que são doentes. Mesmo que o tratamento não seja iniciado ou não traga benefícios claros do que a doença ser tratada após se tornar sintomática. Claro, há enorme dificuldade em distinguir condições pré-clínicas que de fato causarão algum impacto na saúde do indivíduo das que não causarão (pseudo-doença), por isso, inicia-se o tratamento em todos os diagnosticados.

A mensagem simples a que o título se refere é a que o médico deve passar para o paciente, estabelecendo uma relação direta e simples, com recomendações baseadas em evidências. Para não se valer da mesma técnica de relatos de sobreviventes, o médico deve evitar os relatos de excessos de diagnóstico desastrosos. E simplesmente dizer “eu não recomendo esse rastreamento para uma pessoa na sua situação”. Caso o rastreamento seja questionável, mas possivelmente beneficiário, deve-se também ser simples e direto em esclarecer os riscos de excesso de diagnóstico.

Do meu ponto de vista, ainda vale lembrar que as estratégias de rastreamento de saúde pública, em alguns contextos, podem ser diferentes das estratégias de risco individual. Parece dizer que são dois pesos e duas medidas e são. Mesmo que rastrear câncer de cólon, por exemplo, tenha um impacto na mortalidade para o indivíduo, pode não ser custo-efetivo do ponto de vista populacional para um determinado sistema de saúde. No caso do SUS, que provê tratamento para toda e qualquer doença, talvez seja, pois tratar um câncer sintomático ou terminal de cólon provavelmente oferece mais custos do que rastrear uma grande população com colonoscopia. Mas no caso de sistemas menos universais ou benefícios menos claros, é possível que essa relação não seja simples.

Para finalizar, os autores deixam claro que em momento algum está sendo questionado o valor da mamografia, ou de qualquer exame, no diagnóstico precoce de doenças. Diagnóstico precoce pressupõe sintomas. Rastreamento pressupõe pessoa assintomática. Essa é a grande diferença entre tratar precocemente ou tratar alguma coisa por ter sido detectada em rastreamento e que jamais seria um problema ou produziria sintomas. E é nessa diferença que está o risco.

Elaborado por:
Luíza Oliveira Rodrigues
Data da Resenha:
11/04/2012
Eixo Temático:
Serviços de Saúde e Políticas Públicas
Eixo Metodológico:
Pesquisas Epidemiológicas

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